Formas geometricas na Amazonia

Gigantescas formas geométricas aparecem na Amazônia

Os cientistas têm uma hipótese: na época da construção dos geoglifos, a Amazônia pode ter passado por uma seca muito forte, que transformou a floresta numa imensa savana.



O que são as gigantescas formas geométricas que estão aparecendo na Amazônia? Segundo os cientistas, os desenhos monumentais foram feitos muito antes de Cabral chegar ao Brasil. Mas por quem e como?

Elas passaram séculos escondidas pela floresta. Agora, com o desmatamento para criação de gado, estão aparecendo cada vez mais. Formas perfeitas escavadas no solo, espalhadas pelo extremo oeste da Amazônia. Vestígios de uma sociedade desconhecida ou restos do lendário reino de Eldorado, com que tantos exploradores sonharam?

Os cientistas chamam estes desenhos de geoglifos. “Isso aqui era um grande sistema que se estendia por centenas de quilômetros nessa região da Amazônia”, aponta Alceu Ranzi, paleontólogo da Universidade Federal do Acre.

Alceu Ranzi se dedica há 30 anos ao assunto. Ele fazia parte da equipe que descobriu os desenhos, em 1977. Mas foi só nos últimos tempos que o número de achados disparou, graças a fotos de satélite disponíveis na internet. Já são quase 300 geoglifos. De alguns, os pesquisadores nunca chegaram perto.

“Ninguém sobrevoou e ninguém fotografou, que são os geoglifos de Boca do Acre”, conta o paleontólogo da Universidade Federal do Acre Alceu Ranzi.

Apesar do nome, Boca do Acre fica no Amazonas. É para lá que vamos. Em pouco tempo, começamos a ver as formas. Algumas bem nítidas, outras parcialmente encobertas pela mata. “Normalmente são quadrados e círculos. Temos octógonos também”, descreve o paleontólogo.

Alguns geoglifos são mais elaborados, apresentam várias formas geométricas diferentes. Dá para ver um que tem um quadrado com um quarto de círculo dentro.

No solo, a gente percebe o grau de sofisticação. Para o fazendeiro Jacob Queiroz, de 93 anos, dono de terras onde existem algumas figuras, elas não podem ser simples obras da natureza: “Isso aqui foi gente que fez. É trabalho de engenheiro”.

Estamos num geoglifo quadrado, com 200 metros de lado. Valas delimitam a figura. Dentro de um desses canais, vemos que a terra foi escavada e cuidadosamente empilhada do lado de fora.

Por isso, chegou-se a pensar que as valas seriam trincheiras da Revolução Acriana, uma revolta do início do século XX contra a dominação da Bolívia no território. A história foi contada na minissérie "Amazônia", em 2007.

Mas a teoria das trincheiras está fora de cogitação. As análises geológicas publicadas mostram que os geoglifos são muito mais antigos: do século XIII. “Uns 200, 300 anos antes de Cabral”, calcula o paleontólogo Alceu Ranzi.

Para o professor Alceu, os geoglifos eram áreas de rituais religiosos. “Pela elaboração, pela monumentalidade, pelo espaço”, ressalta o paleontólogo da Universidade Federal do Acre.

Outra questão intrigante: como é que os habitantes daquela época, do século XII e XIII, conseguiram fazer isso dentro de uma floresta superdensa? “Essa região da Amazônia devia estar passando por um problema climático”, comenta o especialista.

Os cientistas têm uma hipótese: na época da construção dos geoglifos, a Amazônia pode ter passado por uma seca muito forte, que transformou a floresta numa imensa savana. Parecido com o cerrado brasileiro.

Falta ainda a principal peça do quebra-cabeça: que tipo de sociedade projetou esses monumentos? As principais teorias sobre os povos que viveram nesta região antes de o Brasil ser descoberto dizem que esses povos jamais teriam tamanha sofisticação. No entanto...

“Isto aqui nos indica que este povo que viveu aqui era um povo organizado”, mostra o paleontólogo da Universidade Federal do Acre.

“É possível que haja uma relação estreita com os antepassados dos índios atuais. Mas podem ter sido também outras populações que habitaram a região”, informa Jacó Piccoli, antropólogo da Universidade Federal do Acre.

É difícil estabelecer uma origem clara para os geoglifos, porque não se encontram pistas nas tradições dos índios que vivem hoje no Acre. “Eles não têm na sua memória, nas suas lendas, nos seus costumes, estas figuras”, diz o paleontólogo da Universidade Federal do Acre Alceu Ranzi.

Resta aos cientistas buscar indícios materiais, como cacos de cerâmica retirados dos geoglifos. “Mas ainda não encontramos uma cerâmica maravilhosa, alguma coisa de encher os olhos”, comenta Alceu Ranzi.

O que existe de concreto são alguns objetos achados na região, como os chamados vasos-caretas. Mas eles foram encontrados por habitantes da área, não por pesquisadores, e não dá para fazer uma ligação direta entre os vasos e os geoglifos.

Na falta de respostas, os moradores abraçam o sobrenatural. Seu Jacob conta que, estranhamente, as valas nunca alagam quando chove e que do chão sobe uma espécie de zumbido.

Também não faltam suposições delirantes. Exemplo: os geoglifos seriam marcas deixadas por extraterrestres. O mesmo já foi dito sobre as linhas de Nazca, no Peru - desenhos gigantescos no deserto, com formas de animais. Pura fantasia.

“As pessoas que viveram é que eram capazes de elaborar essas estruturas, como lá os egípcios foram capazes de fazer as pirâmides. Por que os nossos índios da Amazônia, os nossos habitantes daqui, não serem capazes? Está aqui a prova”, explica o paleontólogo da Universidade Federal do Acre Alceu Ranzi.

Voltamos ao sobrevoo e, surpresa, surgem vários desenhos desconhecidos. “Realmente, isso aqui é novo. São vários. Eu acho que eu contei cinco, só agora olhando aqui. Não tinha visto nem em imagem de satélite. Aqui, não tem cobertura de imagem de satélite”, comenta o paleontólogo Alceu Ranzi.

Quando olham para a imensidão dessa Floresta Amazônica preservada, os cientistas ficam imaginando quantos geoglifos, quantos desenhos geométricos estão escondidos debaixo dessas árvores. Eles estimam que nem 10% dos geoglifos tenham sido revelados.

Não é preciso derrubar a mata. Radares modernos podem encontrar os geoglifos mesmo cobertos pela floresta.

“O que vemos aqui é a pontinha de um gigantesco iceberg científico. Quando me perguntaram "descobriram o Eldorado?", sim, descobrimos o Eldorado para a ciência”, completa o paleontólogo Alceu Ranzi.

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